


entrevista aquiles priester
leandro oliveira
1. Sua trajetória é uma das mais inspiradoras do heavy metal nacional e internacional. Depois de tantos projetos marcantes, como você avalia o momento atual da sua carreira? O que te motiva a continuar explorando novas possibilidades depois de mais de duas décadas de estrada?
AP: Eu devo tudo à minha carreira e, como todo ser humano, tenho altos e baixos. Nem sempre estou 100% feliz ou satisfeito, mas sigo em frente com paixão. Comecei em 1985, em Foz do Iguaçu, inspirado pelo primeiro Rock in Rio e, especialmente, ao ver o João Barone tocando. Aquilo acendeu algo em mim. Comecei dublando Ultraje a Rigor e formei minha primeira banda de rock nacional, chamada Stylo Livre, a primeira da cidade, com apoio da Fundação Cultural.
Mas eu percebi que Foz não era o suficiente pra alcançar meus sonhos. Então, em 1988, me mudei pra Porto Alegre, onde a cena do rock era mais forte. Naquela época, tudo era mais difícil, sem celular, sem internet. Pra entrar em uma banda, você deixava um bilhete num estúdio e esperava uma semana por resposta. Mas eu fui atrás. Estudei com o mestre Kiko Freitas e comecei a me profissionalizar.
Em 1997, fundei o Hangar, mesmo tendo uma carreira estável na Dana Corporation. Eu precisava de algo mais, minha própria banda de metal. Toquei com o Tritone, com Frank Solari, Sérgio Buss e Edu Ardanuy. Em 1999, veio o show em São Paulo com o Hangar, abrindo para Fates Prophecy, Monster e Proposital no extinto Black Jack. Ali tudo mudou. Marcos Cardoso, da Encore Records, me viu e me chamou pra gravar com o Paulo Di’Anno. Fizemos uma turnê pelo Brasil, passando pelas capitais. Depois disso, fui indicado por ninguém menos que Edu Ardanuy para o Kiko Loureiro pra audição no Angra E o resto é história.
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Hoje, eu olho pra trás e respeito cada passo. O Aquiles adolescente abriu mão de muita coisa pra que eu pudesse viver essa vida. E mesmo com tudo que já conquistei, ainda não estou satisfeito. Sempre quero mais.
2. Como foi o convite para entrar no W.A.S.P., a adaptação à banda e o que você tem aprendido com a experiência ao lado de Blackie Lawless?
AP: Em 2014, enquanto eu tocava com Tony MacAlpine, ele e o empresário dele me disseram: ‘Você devia se mudar pros EUA, o mercado aqui é gigante pra você.’ Aquilo ficou martelando na minha cabeça. Planejei por dois anos e, em 2016, tomei a decisão. Não fiz alarde, só duas despedidas discretas, em São Paulo e Porto Alegre. Vim pros EUA com três malas e uma convicção: essa mudança precisava dar certo. Dividi a responsabilidade com minha família, cada um com 25% desse sonho.
Assim que cheguei, mandei e-mails pra todos os meus patrocinadores avisando da mudança e que estava disponível para novos projetos. E o destino agiu rápido: naquela mesma semana, o guitarrista Douglas Blair, do W.A.S.P., comentou num jantar que estava procurando um baterista. A Heather, da Gibraltar, estava lá e disse: ‘Você conhece o Aquiles Priester? Ele tocou com o Tony MacAlpine e fez a audição pro Dream Theater.’
No dia seguinte, ele assistiu meus vídeos, gostou e pediu pra marcar uma audição comigo. Foi assim que tudo começou, mas a audição em si, essa, não foi nada simples…
A audição pro W.A.S.P. teve um momento bem marcante. Quando o Blackie Lawless entrou na sala, eu senti aquela presença única, aquela ‘luz’ que só algumas poucas pessoas têm. Só senti isso duas vezes na vida: com ele e com o Steve Harris. É algo difícil de explicar, mas é como se você sentisse que está diante de uma pessoa iluminada.
Ele parou na frente da bateria, me olhou e disse: ‘Antes de começarmos… você acha que consegue tocar essas músicas como elas são? Sem encher de notas? Porque a gente precisa de groove, não de firula.’ Eu, meio pego de surpresa, respondi: ‘Acho que sim.’ Ele rebateu na hora: ‘Acha?’. E eu corrigi: ‘Não, tenho certeza.’ Aí ele colocou a guitarra no chão e falou: ‘Ok, então vamos conversar um pouco antes de tocar.’
Tocamos cada música duas vezes: uma como no disco e outra com a minha interpretação. No final, ele disse: ‘Gostei muito. Vou te ligar durante a semana.’ Essa ‘semana’ virou três. Foram os 21 dias mais longos da minha vida!
Três semanas depois da audição, o Blackie finalmente me ligou. Marcamos um almoço e a conversa foi além da música, ele queria entender quem era o Aquiles fora da bateria: como eu lidava com a estrada, festas, drogas, bebida… E aí eu gabaritei: nunca usei drogas, não bebo, sou focado no trabalho. Isso foi um ponto forte.
Aí veio a pergunta-chave: ‘Quantos por cento de você estavam naquela sala, na audição?’ Era uma pegadinha. Se eu dissesse 100%, poderia soar arrogante. Se dissesse pouco, seria falta de preparo. Então respondi com sinceridade: ‘Uns 85%. Mas continuei praticando essas músicas depois da audição, e hoje eu tô muito melhor. Se fosse hoje, eu te diria 100%’. Ele respondeu: ‘Ok, então vamos marcar uma segunda audição. Quero ver esses 100%’.
Na segunda audição, tocamos só duas músicas. E aí ele falou: ‘Agora sim, você entendeu o espírito do que é tocar essas músicas num show do W.A.S.P.’ Outro ponto decisivo foi minha dedicação: antes mesmo da primeira audição, eu tava em turnê de workshops no Brasil e gravei vídeos das músicas durante passagem de som. Mandei tudo pra banda. Isso mostrou que eu queria de verdade. E foi isso que fez a diferença.
E tenho aprendido desde o início com o W.A.S.P., a preparação para a primeira tour em 2017 foi surreal. Ensaiara duas vezes por dia um show num estúdio gigante simulando um palco, com entrada de roadies para trocar as guitarras, com todas as falas durante as músicas é algo que eu nunca tinha feito na minha vida. Foium choque cultural e profissional. Até hoje me surpreendo com o nível de concentração, dedicação e entrega que é fazer um show com eles três…
3. O Bangers Open Air 2025 foi um verdadeiro banho de heavy metal, e você se apresentou com o W.A.S.P. Como foi tocar em casa, mas em um festival que a cada ano se ganha mais destaque no cenário brasileiro?
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AP: O Bangers Open Air Festival chegou pra ficar, um evento grandioso, com uma organização impecável. Foi a segunda vez que toquei com o W.A.S.P. no Brasil, a primeira tinha sido em 2019, em Guarulhos. Mas essa, em São Paulo, foi especial. Festival é diferente: tem fã de tudo quanto é banda, e a expectativa é enorme.
Faltando 20 minutos pra subirmos no palco, o Blackie me chamou: ‘O que você acha de ter uns 2 ou 3 minutos só seus? Um solo de bateria talvez?’ Mas eu pensei bem e respondi: ‘Cara, aqui em São Paulo, onde a pressão já é gigante, acho que um solo pode quebrar o clima do show que a gente vem lapidando há mais de um ano. Posso falar com o público? Acho que vai ser mais forte.’
Ele ficou pensativo e disse: ‘Tocar, eu sei que você vai arrasar. Mas falar, na frente de 15 mil pessoas? Isso é pra quem tem o dom.’ E eu garanti: ‘Pode confiar. Eles vão se conectar comigo.’
E foi exatamente o que aconteceu. Usei aquele momento pra agradecer ao público, disse que estar ali era resultado do apoio de cada um deles ao longo da minha carreira. Foi um dos momentos mais emocionantes da minha vida.
Depois do show, o Mike me disse: ‘O ponto alto foi o teu speech. Você teve o público na mão.’ E completou: ‘Essa também é a opinião do Blackie e do Doug.’ Foi um reconhecimento que me marcou profundamente. Às vezes, a técnica impressiona, mas é a conexão humana que realmente fica.
4. Recentemente, vimos você ao lado de membros que marcaram a fase “Nova Era” do Angra, em um momento que tocou profundamente os fãs. Como foi esse reencontro?
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AP: Esse reencontro com o Edu Falaschi e o Felipe Andreoli foi totalmente inesperado. Eu já sabia que o Edu estaria no Bangers Open Air, a gente tinha trocado mensagem dias antes combinando de se encontrar. Mas com a correria do evento e a responsabilidade de um show tão importante com o W.A.S.P., eu preferi ficar mais reservado, junto com a banda.
Saí do camarim só rapidinho, atrás de um espetinho, fome de pré-show, sabe como é. No lounge, encontrei a Cíntia e a Vera Diniz, filhas do lendário Airton Diniz, da Roadie Crew. Enquanto conversava com elas, vi alguém abanando. Era o Edu. Fui até ele e, chegando perto, vi que ele estava com o Felipe, um de frente pro outro, batendo papo. Na hora soltei: ‘Não quero nem saber, vamos fazer uma foto pra chocar a internet!’ O Edu riu e disse: ‘Eu sabia que ele ia vir com essa ideia.’
Logo depois apareceu o Martin, iluminador que fez nossa primeira turnê europeia na época do Rebirth. Conversamos os quatro, eu, Edu, Felipe e Martin, lembrando histórias. Já no final da conversa, o Felipe soltou: ‘E aí, vamos fazer aquela foto ou não?’ E tiramos. Foi rápido, mas especial. Felipe comentou: ‘Desde 2007 que nós três não nos víamos.’
Esse reencontro teve um peso simbólico. Depois de 10 anos sem contato com o Edu, voltamos a tocar juntos em 2017 e emocionamos muitos fãs que nunca tinham visto ao vivo a formação que gravou os clássicos do Angra. A foto dos três juntos reverberou nas redes de um jeito muito bacana. E no fim, é isso que vale: os fãs. Se não fosse por eles, não estaríamos mais aqui…
5. Você sempre foi um baterista inquieto, técnico e criativo. O que ainda falta para Aquiles Priester conquistar? Há algum projeto pessoal, musical ou até fora da música que você ainda deseja realizar nos próximos anos?
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AP: Eu não sei se ainda falta algo pra eu conquistar. Quando eu ainda morava em Foz do Iguaçu, lembro de um domingo à tarde ouvindo Live After Death do Iron Maiden em 1986. Era naquela parte narrada de Rime of the Ancient Mariner, com o Nicko tocando os pratos com baquetas de feltro… e naquele show, o Bruce ficava gritando: ‘Scream for me Long Beach! Scream for me California!’
Naquele momento, meu maior sonho era assistir a um show do Iron Maiden na Califórnia. Só que naquela época, isso parecia tão distante quanto a própria Long Beach Arena. O tempo passou, e em 1º de julho de 2017, á morando nos Estados Unidos, eu realizei esse sonho. E mais: realizei a convite do próprio Nicko McBrain, com um passe VIP nas mãos. De fã em 1985 a músico profissional em 2017, foi um ciclo completo.
Me mudar pra cá foi parte de um projeto de crescimento. Se eu tivesse ficado no Brasil, dificilmente teria a estrutura necessária pra tocar com uma banda como o W.A.S.P. Estar perto é essencial. Mas, mesmo estando fora há quase 10 anos, o Brasil é parte fundamental da minha carreira. Todos os anos eu volto: com o Edu, com o Hangar, com o Iron Maiden e os Malditos, com a TV Maldita, ou nos drum shows, inclusive ao lado de gigantes como Kiko Freitas e Thomas Lang.
O Brasil é parte desse sonho, e eu respeito demais tudo o que os fãs brasileiros fizeram e ainda fazem pela minha trajetória. Enquanto eu conseguir manter essa conexão com minhas raízes e continuar levando a bateria e o heavy metal pelo mundo, eu vou estar feliz. Porque no fundo, é isso que eu sempre quis: viver da minha arte, e tocar heavy metal por todos os cantos do planeta.